Praia! Nenhum Verão, digno desse nome, visitou este ano as terras alfacinhas onde o frio e a chuva não gozaram férias. A necessidade de calor avolumou-se e a ilha de Chipre publicitou a estação prometida.
Agia Napa saciou os desejos veraneantes: sol, água azul turquesa, diversão diurna e nocturna. O centro da cidade é luminoso, ruidoso, alcoolizado e mais algumas coisas inerentes aos excessos da juventude predominantemente russa e inglesa. No epicentro da confusão resistem as ruínas de um antigo mosteiro para testemunhar os pecados humanos. Longe do centro o ambiente é muito mais pacato e familiar.

No fim de um dia de praia, Agia Napa

As praias abrigam-se muitas vezes em pequenas baías naturais que tanto acalmam as águas, pouco turbulentas, como delimitam o espaço e o tornam acolhedor. É possível saltar de praia em praia levando apenas uma toalha para, entre banhos de água, apanhar banhos de sol. Há praias cheias de gente com música. Há praias menos populares e mais sossegadas onde se adormece.
A sul da ilha passeei pelas praias Nissi, Landa, Makronisos e na costa oriental, a norte do Cabo Gkreko, por Pernera, Potami e Protaras.
A visita à cidade de Larnaka não cativou. Da avenida principal, em frente à praia Finikoudes, ou da marina, supostamente extravagante, não se guardarão memórias relevantes… É uma cidade trabalhadora e pouco turística.

Na Plateia Evropis, Larnaka

Sabia que a ilha cipriota está dividida em duas partes. Também não foi novidade que Nicósia, a capital do país, permanece separada apesar da possibilidade recente (desde 2003) de passagem da Green Line controlada pela ONU.
O passeio por Nicósia centrou-se na zona histórica dentro das muralhas venezianas do século XVI cuja forma é singular: um circulo cravado de 11 bastiões que para uns é a forma de um floco de neve e para outros de uma granada.
A área controlada pela República é plenamente europeia. A zona pedonal é comercial, iluminada e cuidada. A norte, na área turca, existe uma pequena área turística repleta de bugigangas mas pouco depois constata-se uma realidade mais crua: as ruas são sujas, o lixo cresce nas bermas, há casas abandonadas e em ruínas… Existe pobreza. Não consigo pensar em Nicósia como uma única cidade. Há duas cidades distintas que tardarão a ser semelhantes.

Junto ao Monumento à Liberdade, Nicósia

A situação política/geográfica/militar/religiosa/linguística de Chipre é manifestamente ignorada numa Europa unida. Não é devidamente censurada uma invasão que perdura desde 1974 e que foi absorvida pela União Europeia. É justificável a presença de Capacetes Azuis da ONU a patrulhar uma faixa que rasga a ilha desde então?
Não é fácil descrever o pulso da UN Buffer Zone. Há um lado cinematográfico nas viaturas brancas da UN, nos convincentes avisos à proibição de fotografar… Existem postos de vigia camuflados com militares e arame farpado abundante como nas guerras dos filmes. As bandeiras içadas encaram-se frente-a-frente e são desenhadas nas montanhas para que bem se vejam do outro lado da linha.
Apesar da burocracia é fácil circular entre a República, internacionalmente reconhecida, e a zona ocupada pelas forças turcas. A zona neutra tanto atravessa campos abertos delimitados como, no caso de Nicósia, se esconde atrás de vedações no intervalo dos prédios. Existem excepções, que são mesmo únicas, como a povoação de Pyla totalmente absorvida na área da Green Line. Na pequena praça central não existem vedações e as pessoas convivem… Na presença visível de fardas da UN.
A divisão assume proporções incompreensíveis em Ammochostos junto à zona costeira de Varosha. A cidade, internacionalmente designada por Famagusta, está literalmente abandonada, fechada e sem vida. Sim, existe uma “cidade fantasma” bem real que se desfaz desde a invasão turca em 1974. Da vizinha Deryneia, na República, é possível espreitar as ruínas cinzentas e apodrecidas que a diplomacia, ou a paz armada, não devolve às pessoas.

No terraço do Cultural Centre of Occupied Famagusta, Deryneia

No Cultural Centre of Occupied Famagusta há informação abundante e habitantes locais interessados em dois dedos de conversa que, com um olhar cabisbaixo, lamentam incansavelmente o desinteresse da comunidade internacional. A incredibilidade permanece mais densa que a esperança.
Da amena conversa retive o tom veemente com que fui corrigido quando me referi à “fronteira”. Existe somente um país e dentro de um país não há fronteiras. A palavra-chave é “ocupação”. Concluíram com factos: nenhum país além da Turquia reconhece que o Chipre termina na zona neutra.
De Lisboa foram chegando notícias de chuva abundante e de caos no trânsito. Tais fatalidades foram ignoradas porque o sol e a areia cipriota criaram anticorpos para as intempéries. No regresso a casa, à semelhança da viagem de ida, a greve dos pilotos da Air France obrigou ao involuntário desperdício de Euros e de horas de vida. Todos os problemas parecem menores depois de resolvidos e sugerem um falso transtorno irrelevante.
Paulo Vyve

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